terça-feira, 29 de junho de 2010

E tu, vives numa "Aldeia Inteira"?

“É preciso uma aldeia inteira para educar uma criança” e uma “aldeia inteira” não cabe entre quatro paredes, não se mede em m2 e número de assoalhadas cheias de objectos e pessoas televisionadas.

Uma “aldeia inteira” tem gente de verdade, tem mães, pais, avós, tios e tias, vizinhos sempre dispostos a ajudar as recém mamãs e a deitar um olhinho aos mais novos. Numa “aldeia inteira” nenhuma mãe é deixada 10, ou mais, horas por dia com um recém-nascido, sem tempo para cuidar de si e dos seus. Nenhuma mãe tem que sarar sozinha e em silêncio as dores físicas e emocionas que o nascimento e parto podem provocar. Numa “aldeia inteira” há comunidade, pertença e partilha

Numa “aldeia inteira” existem doulas, conselheiras de aleitamento materno, parteiras e todo o tipo de recursos para apoiar mães e bebés fora do contexto hospitalar porque, na “aldeia inteira” sabem que nascer, viver e morrer não é doença. Há sempre alguém que é mais velho, mais sábio e mais experiente para nos guiar e apoiar com tranquilidade. Nenhuma mãe tem que pagar para aprender como dar à luz e nutrir o seu próprio filho. Nenhuma mãe é aterrorizada com histórias macabras de partos difíceis e nados mortos, de leites que secam, que são fracos ou aguados, ao ponto de ter medo de parir e acreditar que é incapaz de amamentar as suas crias. Numa “aldeia inteira” as taxas de cesariana não estão, como entre nós, acima dos 30% (sendo que há instituições privadas onde ultrapassam os 90%), nem as taxas de aleitamento materno exclusivo (isto é, sem leite artificial) se encontram nos mesmos 30%. Numa “aldeia inteira” há conhecimento e passagem da informação.

As mães da aldeia inteira alimentam-se bem e vivem de forma saudável. A qualidade do leite das mães da “aldeia inteira” é a melhor do mundo (aqui também mas ninguém parece saber). Os bebés da aldeia inteira são alimentados ao peito, as crianças da aldeia inteira apanham sol em vez de, como aqui, beberem vitamina D engarrafada; comem frutas, legumes, carne e peixe sem produtos químicos em vez de, como aqui, tomarem vitamina C e outros suplementos, também engarrafados. Na aldeia inteira não há crianças obesas, com problemas respiratórios, eczemas e tantas outras doenças típicas das crianças citadinas do mundo ocidental. Numa “aldeia inteira” há alimentação de qualidade e fomento de hábitos saudáveis.

Numa “aldeia inteira” as mães e pais sentem-se seguros e confiantes, sabem o que é melhor para os seus filhos e sabem que são as melhores pessoas no mundo para lho proporcionar. Não entregam o presente e o futuro das suas crias à exclusiva responsabilidade de pediatras, enfermeiros e enfermeiras, professores e professoras, educadores e educadoras variados. As mães da “aldeia inteira” não sofrem de depressão pós parto porque existem condições físicas e humanas para que se possam viver a maternidade na sua plenitude. Numa aldeia inteira há empowerment, há confiança.

Uma “aldeia inteira” tem crianças. Crianças de todas as idades, todas misturadas, as mais novas a aprender com os mais crescidos o que mais tarde vão “saber” “ser” e “fazer”, os mais velhos a aprender desde cedo a cuidar de quem é mais indefeso. Numa “aldeia inteira” não existem “depósitos de crianças” (a que chamamos creches, infantários e berçários, ATL’s) onde estas são fechadas e segregadas por idades (nem “salas de espera da morte” às quais chamamos lares, centros de dia, OTL’s, na esperança de nos esquecermos de que os filhos que depositamos hoje nos vão lá largar amanhã). As crianças acompanham as mães nas suas actividades diárias. Nenhum bebé é deixado sozinho a chorar ou em frente à televisão. O ritmo de vida permite integrar os mais pequenos em vez de, como aqui, os excluir. Porque numa aldeia inteira, as mães tem espaços onde estar com outras mães e onde trabalhar com as suas crianças por perto. Na “aldeia inteira” nenhuma jovem chega à idade de ter filhos sem nunca ter tido um bebé nos seus braços, sem nunca ter visto um bebé ser amamentado ao peito. Numa aldeia inteira há observação, participação e aprendizagem pela experiência.

As crianças da “aldeia inteira” cantam, brincam, pintam, dançam, sujam-se livremente (e gratuitamente). Os bebés aprendem a gatinhar e andar na terra, nos campos verdes, na relva e não, como aqui, em andarilhos de plástico que lhes deformam as pernas fechados, dentro das suas casas (ou dos seus depósitos). Curiosamente, ou não, as crianças da “aldeia inteira” não sofrem de défice de atenção e não tem 1001 alergias. Numa aldeia inteira há brincadeira.

Numa “aldeia inteira” os passeios são para as pessoas e não para os veículos, os jardins são para as crianças brincarem e não apenas para os cães e seus dejectos. As famílias podem permanecer nos espaços públicos limpos, vigiados, sem ruídos que assustam os bebés, sem fumos vários de muitos escapes, à sombra e sem medo de serem assaltadas a qualquer momento. Numa aldeia inteira há espaço e segurança.

Uma “aldeia inteira” não sofre de desertificação, envelhecimento, baixa de natalidade porque na aldeia inteira apoia-se a vida na prática e não apenas em intenção.

Eu e o meu bebé não vivemos numa “aldeia inteira”, aqui, onde nós vivemos, foram implementadas medidas de política que permitem às mães ficar em casa com os seus bebés até aos seis meses mas as dificuldades de SER MÃE nesta cidade são tão grandes que há muito quem descreva os primeiros meses de vida dos seus filhos como tendo sido “um inferno”, “um suplício”, “um horror”. SER MÃE, em Lisboa, em 2010, é ficar em casa fechada, sozinha, mais de 10 horas por dia, sem tempo para preparar refeições completas, sem conselhos sábios quando o leite sobe, as mastites chegam ou a primeira febre do bebé aparece. É ir às urgências com o filho para descobrir que este não tem nada de urgente mas não dispor de mais nenhuma instância de apoio. É não saber distinguir um pico de crescimento de um bebé e desesperar porque se pensa que é a má qualidade do nosso leite e dos nossos cuidados que o fazem chorar. É ir ao “cantinho de amamentação” do nosso centro de saúde e descobrir que não passa de um papel colado a uma porta. É ter que pagar para toda e qualquer actividade que inclua bebés porque, infelizmente, os nossos filhos só são tidos em conta enquanto potenciais consumidores. É querer alimentação de qualidade e não a encontrar porque os restaurantes não tem motivos para fazer comidas particularmente saudáveis para mães e bebés. É sair à rua e não ter passeios, nem sombras, não conseguir proteger os bebés dos ruídos dos carros, do calor, da chuva, do frio. É ser assaltada no eléctrico 28 e no Jardim do Torel sob o olhar impávido das autoridades. É ter na alcatifa da FNAC e do átrio de alguns museus, os únicos espaços não molhados e gelados onde um bebé pode gatinhar no inverno. É ser expulsa de jardins de entidades públicas por estes (incompreensivelmente) não estarem abertos ao público. É querer um jardim sem urina e cocó de cão para descansar com o bebé e não encontrar. É ter que lidar com o voyeurismo de quem pensa que uma mama é um objecto sexual e não apenas a fonte de alimentação dos nossos filhos.

Eu e meu filho não vivemos numa “aldeia inteira” e não temos por intenção transformar a nossa cidade inteira. Eu e o meu bebé, tal como muitas outras mães, pais, bebés e amigos da humanidade, acreditamos que é possível criar um “ESPAÇO INTEIRAMENTE DEDICADO À MATERNIDADE”. Uma casa com jardim onde as mãe se bebés possam encontrar comunidade, pertença e partilha, conhecimento e passagem da informação, alimentação de qualidade e fomento de hábitos saudáveis, empowerment e confiança, observação, participação e aprendizagem pela experiência, brincadeira, em suma, onde possam encontrar espaço e segurança.

Esta proposta é para que se crie uma casa seja uma porta aberta para receber grávidas, mães, pais e bebés de Lisboa. Uma casa na qual as famílias se sintam seguras, cuidadas, acompanhadas e aceites. Uma casa que seja catalisadora das muitas instituições da sociedade civil, profissionais, pais e mães que trabalham por uma vida melhor para as nossas mamãs e bebés. Já há muita gente a trabalhar para trazer a “aldeia inteira” à cidade. Vamos juntar todos os esforços num só espaço para assim chegar à cidade inteira.

Porquê uma casa Inteiramente dedicada à Maternidade?

Mães e filhos são a base da organização social – não há nenhum homem, nem mulher, que não tenha passado pelo colo de outra mulher. Não dar a atenção merecida ou descurar este facto desencadeia mecanismos de violência, delinquência e mal-estar social cujos resultados estão, hoje mais do que nunca, bem visíveis na nossa sociedade.

Conscientes de que os males se tratam, não pelos sintomas que são apenas seus indiciadores, mas na sua etiologia, pretendemos dar um passo no tratamento de uma problemática de base, responsável pelo desequilíbrio físico, psíquico e social: o afastamento físico entre mães (vide cuidador principal) e filhos desde tenra idade, ou a falta de afecto na relação entre ambos ainda que fisicamente próximos.

A legislação nacional já reconheceu a importância desta proximidade – através da nova lei da parentalidade - ao permitir que os pais sejam os cuidadores principais dos seus filhos durante os primeiros anos de vida, devemos agora, à semelhança do que acontece em todo o mundo ocidental, criar as estruturas e serviços que permitam proporcionar, às famílias, uma gestação, nascimento e maternidade da primeira infância tranquilas e emocionalmente positivas.